sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Verba do Show de Verão de Praia Grande: Controvérsia e Possível Destino para a Educação

 


A destinação da verba pública para o tradicional Show de Verão em Praia Grande tem gerado debate na cidade. Muitos moradores questionam se parte dos recursos investidos nesses eventos poderiam ser redirecionados para melhorar a educação municipal. Neste artigo, vamos entender como funciona o orçamento público, verificar se a legislação permite realocar essa verba para a educação, analisar o impacto do Show de Verão no turismo e na economia local, discutir a importância do investimento em educação para a cidade e apresentar opiniões de especialistas sobre a viabilidade dessa mudança. O objetivo é informar de forma clara e acessível tanto os moradores locais quanto os turistas sobre como essas decisões orçamentárias impactam Praia Grande.

Como funciona o orçamento público municipal?

O orçamento público municipal é um plano financeiro anual que define quanto e onde a Prefeitura irá gastar os recursos públicos. Ele é elaborado pelo Poder Executivo (o prefeito) e precisa ser aprovado pela Câmara de Vereadores, tornando-se lei (a Lei Orçamentária Anual - LOA). Nesse processo, os vereadores podem propor emendas para alterar a destinação de verbas antes da aprovação final​


. Em outras palavras, embora o prefeito apresente a proposta de orçamento, a distribuição dos recursos pode ser modificada pelos representantes do povo durante as discussões na Câmara.

Esses recursos vêm de diversas fontes, como impostos municipais (IPTU, ISS), repasses estaduais e federais, e outras receitas. Porém, nem toda a arrecadação pode ser gasta livremente em qualquer área. A Constituição Federal impõe regras de vinculação de gastos: por exemplo, os municípios são obrigados a aplicar pelo menos 25% de sua receita em educação


e uma porcentagem mínima (atualmente 15% pela EC 29/2000) em saúde. Isso garante investimento mínimo nessas áreas essenciais. Após cumprir esses mínimos, o restante do orçamento é distribuído entre diversas pastas – como infraestrutura, segurança, cultura, turismo, etc. – de acordo com o plano de governo e as prioridades estabelecidas na lei orçamentária.

É importante notar que o orçamento público passa por um ciclo planejado: além da LOA anual, há o Plano Plurianual (PPA, planejamento a cada 4 anos) e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO, feita todo ano para orientar a LOA). Assim, alterar significativamente os gastos de uma área para outra não é simples – requer planejamento prévio ou aprovação de mudanças via Legislativo. Depois que o orçamento é aprovado para um determinado ano, realocar recursos de um setor para outro durante a execução orçamentária só é possível através de procedimentos legais, como créditos adicionais ou remanejamentos autorizados por lei. Em resumo, as verbas são “carimbadas” conforme a lei orçamentária e a liberdade do gestor em transferir dinheiro de um uso para outro é limitada por essas regras e percentuais mínimos obrigatórios

A verba do Show de Verão pode ser usada na educação?

Diante do funcionamento do orçamento, surge a pergunta central da polêmica: seria legalmente possível pegar o dinheiro destinado ao Show de Verão e usá-lo na educação? A resposta envolve entender de onde vem e como está classificada essa verba. Em Praia Grande, o Show de Verão – também chamado de Estação Verão Show – geralmente é custeado por verbas da Prefeitura alocadas nas áreas de cultura e turismo, possivelmente complementadas por patrocínios e parcerias. Como Praia Grande é classificada como Estância Turística, parte dos recursos para eventos podem vir de fundos específicos para promoção do turismo. Caso o recurso seja vinculado ao turismo (por exemplo, verbas estaduais do DADETUR ou dotações da Secretaria de Cultura e Turismo), ele não pode ser simplesmente transferido para outra finalidade, como educação, sem mudança na lei. Nesses casos, a destinação é carimbada para projetos turísticos/culturais, e utilizá-la em educação seria irregular do ponto de vista legal.

Mesmo quando os recursos são do próprio caixa da Prefeitura, a realocação para educação exigiria um processo formal. Alterar o orçamento aprovado – por exemplo, reduzir a verba do evento e aumentar a da educação – demandaria aprovação da Câmara por meio de uma emenda ou projeto de lei de crédito adicional. Em 2024, um ex-vereador de Praia Grande chegou a propor emendas ao orçamento visando remanejar parte dos milhões gastos com o Show de Verão para outras finalidades, incluindo educação (como instalação de ar-condicionado nas escolas e projetos para jovens) e até para a realização do carnaval​



. Essas propostas, entretanto, foram rejeitadas pela maioria dos vereadores, mostrando a dificuldade política de se alterar essa prioridade já estabelecida.

Do ponto de vista da legislação orçamentária, nada impede que no planejamento de um próximo ano o governo municipal decida destinar menos recursos aos shows e mais à educação, desde que sejam respeitados os mínimos constitucionais em cada área e obtida aprovação legislativa. Em outras palavras, é possível sim trocar prioridades, mas não de forma unilateral ou imediata. Tem que haver vontade política do Executivo em propor essa mudança e concordância do Legislativo em aprová-la. Vale lembrar que lazer e cultura também são direitos sociais previstos na Constituição. Ou seja, gastar com eventos culturais não é ilegal em si – ao contrário, faz parte das responsabilidades do Estado garantir acesso à cultura e lazer. A questão é encontrar o equilíbrio: assegurar esses direitos culturais sem comprometer os investimentos em serviços básicos como educação e saúde.

Impacto do Show de Verão no turismo e na economia local

O Show de Verão de Praia Grande tornou-se, ao longo dos anos, um evento de grande porte e tradição no litoral paulista. Realizado durante a alta temporada (meses de verão), ele atrai tanto moradores quanto turistas de diversas regiões. A Prefeitura destaca que Praia Grande, sendo uma estância turística com cerca de 350 mil habitantes, recebe mais de 1,5 milhão de turistas na temporada de verão


– e os shows fazem parte das atrações que entretêm esse público e ajudam a manter a cidade movimentada.

Os números recentes do evento ilustram sua magnitude e efeitos positivos na economia local. Na temporada do verão 2025, por exemplo, mais de 230 mil pessoas passaram pelo Kartódromo Municipal para assistir às apresentações, quebrando o recorde de público das edições anteriores​


Esse fluxo de visitantes e moradores gerou empregos temporários e oportunidades de renda: cerca de 1.500 empregos diretos e indiretos foram criados graças à organização do Estação Verão Show e das arenas de atividades na praia​
. Além disso, a venda de ingressos solidários resultou em R$ 231 mil arrecadados para o Fundo Social de Solidariedade do Município, mostrando um retorno social imediato em parte da receita do evento​
.

Do ponto de vista do comércio e turismo, o festival impulsiona diversos setores. Hotéis, pousadas e restaurantes tendem a ter maior movimentação nos dias de shows, pois muitos turistas estendem sua permanência na cidade para aproveitar a programação. O secretário de Cultura e Turismo de Praia Grande, Maurício Petiz, afirmou que a ampla programação artística, com shows e seis arenas espalhadas pela Cidade, fomentou a economia local. Segundo ele, o turismo de eventos vem se fortalecendo nas últimas temporadas de verão, e ações assim qualificam Praia Grande a figurar como o quarto destino turístico mais visitado do país e o segundo do Estado de São Paulo, perdendo apenas para a capital


. Ou seja, o Show de Verão não é apenas entretenimento: faz parte de uma estratégia maior de colocar Praia Grande em evidência no cenário turístico nacional, o que pode atrair investimentos e gerar renda para a população local.

Os benefícios econômicos indiretos também são citados pelos defensores do evento. Muitos ambulantes e comerciantes informais ganham com a venda de alimentos, bebidas e souvenirs nos dias de show. Empresas de transporte local (táxis, aplicativos, turismo receptivo) reportam aumento de corridas. A presença de grandes artistas e mídia espontânea do evento ajudam a projetar a imagem positiva da cidade, o que pode repercutir em visitas futuras. Em resumo, do lado do turismo e economia, o Show de Verão é visto como um investimento que se paga em forma de movimento financeiro, empregos temporários e fortalecimento da vocação turística de Praia Grande.

Por que investir em educação e como isso beneficiaria a cidade?

Do outro lado do debate, muitos argumentam que os benefícios de investir em educação superam os do investimento em shows a longo prazo. A educação é amplamente reconhecida como motor do desenvolvimento social e econômico de uma comunidade. Uma cidade que direciona recursos para melhorar suas escolas, capacitar professores e oferecer uma infraestrutura de ensino de qualidade tende a colher frutos no futuro: jovens mais bem formados, mão de obra qualificada, menos desigualdade e até redução da violência.

Especialistas em políticas públicas ressaltam que investimentos contínuos e bem direcionados em educação elevam significativamente o bem-estar social


. Isso ocorre porque a melhoria na educação reflete em vários indicadores: aumenta a renda média da população, reduz a evasão escolar, e forma cidadãos mais preparados. Um estudo da Fundação Getúlio Vargas revelou que cada ano adicional de estudo pode elevar em média 15% a renda do trabalhador brasileiro
. Além disso, a escolaridade influencia a empregabilidade: pessoas com mais anos de estudo têm maior chance de conseguir empregos formais​
. Ou seja, ao investir na educação hoje, a cidade pode ter uma população com empregos melhores e salários maiores amanhã, fortalecendo a economia local de forma sustentável.

Para uma cidade como Praia Grande, melhorar a educação poderia trazer benefícios específicos. Por exemplo, poderia aumentar o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) municipal no longo prazo, já que educação é um dos componentes desse índice. Poderia também qualificar a mão de obra local para atuar no próprio setor de turismo e serviços com mais eficiência. Investimentos em educação infantil e fundamental garantem que as próximas gerações tenham mais oportunidades. Com melhores escolas, a cidade se torna mais atrativa para famílias e pode até mesmo reduzir gastos futuros em outras áreas (como segurança pública), já que há uma correlação entre educação e redução da criminalidade.

Alguns moradores têm comparado diretamente os gastos: “dinheiro para show tem... e para ar-condicionado nas escolas?”, lamentam, apontando que muitas salas de aula sofrem com o calor enquanto milhões são gastos em eventos de verão. De fato, diante das altas temperaturas do verão, escolas sem climatização adequada prejudicam o aprendizado. Com alguns milhões de reais – quantia semelhante ao que se gasta em uma temporada de shows – seria possível instalar ar-condicionado em diversas salas, reformar estruturas escolares ou comprar material pedagógico moderno. Esses são benefícios tangíveis e imediatos para os estudantes, que poderiam melhorar o desempenho escolar e a qualidade de vida de alunos e professores.

Além disso, investir em educação não impede o desenvolvimento do turismo – ao contrário, as áreas podem se complementar. Uma cidade educada tende a ser mais organizada, limpa e segura, qualidades que também beneficiam o turismo. Eventos culturais poderiam ser mantidos em escala menor ou com mais parcerias privadas, enquanto a verba pública priorizaria escolas. Essa é a visão defendida por quem acredita que o legado de uma boa educação perdura muito além da temporada de verão.

O que dizem os especialistas sobre essa mudança?

A controvérsia envolve visões diferentes de especialistas em gestão pública, economia e educação. Especialistas em contas públicas alertam que a resposta não é simplesmente cortar eventos e jogar todo o dinheiro na educação – é preciso planejamento e equilíbrio. O Ministério Público de Contas de São Paulo, que fiscaliza o uso de recursos nos municípios, tem observado casos pelo estado em que prefeituras gastam somas altas com shows enquanto enfrentam problemas em serviços essenciais. O procurador Thiago Pinheiro Lima, chefe do MP de Contas, destacou que diversos municípios com déficit de vagas em creches, falta de remédios básicos ou até sem cumprir o gasto mínimo em educação insistem em realizar despesas vultosas com shows


. Ele enfatiza que é preciso ter ordem de prioridade: primeiro garantir o mínimo de qualidade em educação, saúde e outros serviços básicos, para então investir em festividades. Caso o gestor ignore essas prioridades, pode inclusive incorrer em punições por uso indevido de recursos públicos, de acordo com o Tribunal de Contas do Estado (TCE)​
. Em outras palavras, se a educação estiver carente, do ponto de vista desses órgãos de controle, não é viável moral nem legalmente justificar grandes gastos com entretenimento.

Por outro lado, gestores e especialistas em turismo ponderam que eventos culturais trazem retorno e que lazer é um direito social garantido em lei. Eles argumentam que não se trata de escolher entre turismo e educação como opostos absolutos – ambos são importantes. Alberto Mourão, prefeito de Praia Grande, ao defender o Estação Verão Show, já mencionou que o evento cumpre seu papel de fomentar o turismo e projetar a cidade nacionalmente, contribuindo para a economia local. A administração municipal frisa que todas as contas do evento estão disponíveis no Portal da Transparência e que o município cumpre suas obrigações em educação e outros setores​


. De fato, Praia Grande investe os 25% mínimos (ou mais) em educação como exige a lei, e também investe em cultura/turismo por ser uma cidade turística. Especialistas em gestão municipal apontam que, se a cidade já atende os índices obrigatórios em educação e saúde, destinar uma parcela do orçamento para eventos pode ser visto como legítimo e até estratégico para o desenvolvimento local, desde que haja transparência e equilíbrio.

Especialistas em educação e economistas sociais, porém, reforçam que ampliar o investimento educacional traz ganhos de longo prazo mais sólidos. Eles veem com bons olhos qualquer iniciativa de realocar recursos adicionais para a rede de ensino, contanto que não prejudique setores vitais. Para muitos, a viabilidade dessa mudança de verba do show para a educação depende mais de vontade política e planejamento do que de impedimentos legais. Não há uma proibição explícita que impeça um prefeito e vereadores de, em um ano futuro, decidirem reduzir gastos com o Show de Verão e direcionar a diferença para construir escolas ou valorizar professores – é uma questão de prioridade política. Conforme observado em outros municípios, quando há compromisso contínuo com a educação, os resultados aparecem: cidades que elevaram investimentos na área viram melhora no IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), aumento de matrículas e até melhoria no bem-estar geral da população​

Em síntese, os especialistas concordam que qualquer alteração deve ser feita com cautela e planejamento. É viável repensar o tamanho do investimento no Show de Verão e discutir a destinação de parte da verba para a educação, desde que a decisão seja tomada de forma transparente, participativa e embasada em dados. Talvez um caminho apontado por alguns seja buscar equilíbrio: reduzir eventuais excessos e gastos menos eficientes no evento e canalizar esses recursos economizados para melhorias nas escolas. Assim, Praia Grande continuaria colhendo os frutos do turismo e do lazer, ao mesmo tempo em que planta sementes para um futuro melhor através da educação.

Conclusão

A discussão sobre a verba do Show de Verão versus investimento em educação em Praia Grande mostra os desafios de administrar um orçamento público atendendo a múltiplas demandas. De um lado, há o reconhecimento do valor cultural e econômico dos eventos de verão, que animam a cidade e trazem visitantes, gerando empregos e renda. De outro, existe a consciência de que a educação é fundamental para o desenvolvimento a longo prazo e merece constantes investimentos para garantir oportunidades às próximas gerações.

Legalmente, realocar recursos é possível, mas requer cumprir regras orçamentárias e, sobretudo, vontade política. A legislação impõe mínimos para educação, porém não impede que se invista além do mínimo – é uma questão de escolha dos gestores e da sociedade local. Enquanto turistas aproveitam os shows e movimentam a economia, moradores ponderam se parte daquela estrutura milionária poderia estar em uma nova creche, numa escola climatizada ou em materiais didáticos modernos.

No fim, a solução equilibrada talvez passe pelo diálogo entre todos os envolvidos – governo, comunidade, setor turístico e educacional. Transparência nos gastos do evento, avaliação dos retornos e necessidades da cidade, e participação popular nas decisões orçamentárias (como ocorre em orçamentos participativos) podem ajudar a encontrar um ponto de consenso. Praia Grande tem potencial tanto no turismo quanto na educação: unir essas vocações de forma inteligente pode fazer da cidade um lugar onde desenvolvimento econômico e social caminham juntos. A controvérsia, portanto, abre espaço para uma reflexão saudável sobre prioridades e planejamento, lembrando que cada real investido, seja no show ou na escola, tem impacto direto na vida das pessoas e no futuro do município.

Fontes: As informações e dados apresentados foram coletados de matérias jornalísticas, órgãos oficiais e especialistas, incluindo o Portal da Transparência e notícias sobre gastos públicos, além de estudos sobre o impacto de investimentos em educação e cultura. Referências específicas incluem reportagem do SBT News sobre gastos de prefeituras com shows​

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